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Qual é o pior tipo de chato?

Qual é o pior tipo de chato?

Qual é o pior tipo de chato?

Como deletar os verborrágicos, implicantes e caga-regras que moram dentro de nós?

Meu marido sofre de “chatofobia”: fobia de gente chata. Quando caminhamos na praia e no calçadão, se um homem fala muito alto ou é grosseiro, ele solta: “Chaatooo!”. Se uma mulher fica obcecada com o celular, fazendo milhares de selfies, lá vem ele de novo: “Chaataaa!”.

Ele reconhece que também é chato, especialmente quando está estressado com problemas no trabalho. Mas, apesar de saber que é chato, não tem a menor paciência com gente verborrágica, implicante e caga-regras.

Lidia, de 65 anos, é um exemplo de chata implicante. Ela sempre encontra um jeito de cutucar as piores feridas. “Você é tão boazinha, nunca briga com ninguém. Fez algum curso de querida?”; “Nossa, como você emagreceu, está com alguma doença grave?”; “Vai se divorciar com 57 anos? Não tem medo de ficar uma velha abandonada?”; “Você acabou de se separar e já está com um novo namorado? Por que você precisa tanto de homem?”.



Já Paulo, de 73 anos, é o chato caga-regras, que se acha superior e dono da verdade. Ele é a pessoa mais arrogante, autoritária e perversa que eu conheço.

“Por que você não para de escrever sobre velhice e velhofobia? Por que não escreve sobre temas mais importantes? Vai ser muito bom para a sua carreira”; “Seus amigos nonagenários realmente existem? Se sim, são uma minoria insignificante, ninguém chega aos 98, 99 e 100 anos com tanta lucidez e saúde”.

O chato caga-regras sempre tem algum conselho indesejável que faz você se sentir uma merda.

Por fim, Charlotte, de 59 anos, a chata verborrágica. Ela vomita compulsivamente as palavras, não para nem para respirar, não sabe como colocar ponto nas frases, não tem a menor sensibilidade para entender que não estamos interessados na sua tagarelice, mas em escutar as histórias da sua mãe, Dulce, de 98 anos. A ideia de “chatofobia” nasceu da irritação do meu marido com o blá-blá-blá insuportável de Charlotte.

Enquanto meu marido falava, percebi que todos esses chatos moram dentro de mim.

“Por que não faz todos os procedimentos para ficar mais jovem e bonita? Você é uma velha decrépita, não tem mais idade para usar biquíni”. “Por que você é tão viciada no trabalho, não dorme, não tira férias, não se diverte, não relaxa nem nos finais de semana? Lógico que ficou com pneumonia, osteoporose e colesterol alto, você não se cuida”. “Por que você não respondeu à agressão daquele babaca escroto que te ofendeu e humilhou? Deixa de ser cagona”. “Por que você sente tanta inveja daquela lacradora desesperada que está sempre nas paradas de sucesso?”. “Por que você vive repetindo que é uma bosta e um fracasso?”. “Por que você ainda se sente, a essa altura do campeonato, uma menininha traumatizada, apavorada e desamparada?”.

Meus chatos interiores são verborrágicos, implicantes e caga-regras e não param de me atormentar um só minuto.



Sempre escrevo que preciso fazer uma faxina existencial e deletar todos os vampiros emocionais e pessoas tóxicas que sugam minha saúde, energia e alegria de viver. Mas como deletar os chatos de plantão que moram dentro de mim?

Antes que alguém reclame e diga que eu também sou chata (sim, eu sei que sou chata, nem eu me aguento), prometo que irei escrever mais sobre outros tipos de chatos e sobre minhas próprias chatices. São muitas, não cabem no espaço de uma única coluna. É só perguntar ao meu marido.


Mirian Goldenberg


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Mirian Goldenberg
Sobre

Mirian Goldenberg

Professora Titular do Departamento de Antropologia Cultural e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora em Antropologia Social pelo Programa de PósGraduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, colunista do jornal Folha de S Paulo, desde 2010 e autora de 30 livros.

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