Férias de mim
Férias de mim
Ando impossível comigo. Não sei se é um misto de ojeriza com implicância, mas a proximidade dos 60 tem antecipado o meu susto do envelhecimento. Há muito já tenho pentelho branco. Um dente da frente caiu e fiz prestação para um implante. As mazelas da menopausa – nem vou começar o rosário da insônia, ressecamento vaginal, nevoeiro mental e mais 30 achaques perturbadores – habitam em mim.
O fato, querida (o) leitora (or) é que preciso tirar férias da imagem juvenil que fiz da minha velhice. Nada saiu conforme o combinado. É bem mais punk. A finitude começa pela percepção da nova régua do tempo. Mais curta. O aumento das idas aos médicos, o pânico das sequelas das muitas gripes herança da pandemia e é claro essa invisibilidade. Posso andar pelada no BRT que nem percebem. Chego em casa e o programa é senil. Janto uma sopa insossa (a pochette na barriga não me larga) e depois sorrio amarelo vendo De Todas as Flores no Globoplay. Mas uma hora depois já estou de pijaminha listrado, gotas da canabidiol debaixo da língua e dialogo com Morfeu para ver se terei bons sonhos. E vejo que estamos no meio do ano.
Aqui no Rio, apesar das balas perdidas que pipocam nesse cartão postal meio pálido pela violência e carestia, percebo planos de férias. Os mais abastados curtem o verão europeu mesmo com acinte do euro a quase 6 reais. Tem também Inhotim; o frio de Gramado, as Cataratas e a Amazônia que foi redescoberta por muitos. Chego a pensar que ela nem existia no nosso mapa turístico, mas veio com tudo depois da urgência climática.
Os duros – euzinha – escapam para a serra de Petrópolis mesmo. Uma hora de carro até a casa de uma tia, com sorte um pacote baratex de sexta a domingo com meia pensão. E – de férias – somos levados a uma reflexão dessa urgência em mudarmos o mind set da maturidade. Eu não quero mais ser eu. Pessoa chata. Tô quase caduca.
Preciso urgentemente de um salto alto, um Martini e uma pomada de estrogênio. Preciso me sentir viva e não esse ser que acorda e dorme pensando em boletos. Até preço de funeral eu fui assuntar. Vai que, né? Então, se você também está nesse modo geriatra – no qual me encontro agora – bora tirar férias da gente? Prometo voltar outra. Resta saber se vou me reconhecer.
Kika Gama Lobo
Texto publicado no site inconformidades.com (com alterações feitas em junho/2023)
2 Comentários
[…] Férias de mim […]
[…] Férias de mim […]