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A vida sexual das mulheres mais velhas

A vida sexual das mulheres mais velhas

A vida sexual das mulheres mais velhas

Nunca se falou tanto sobre sexo, mas a insatisfação feminina é cada vez maior

Tive a grande alegria de participar do programa “Como É que É?“, na TV Folha, no dia 1º de março, com o tema: “Sexo na terceira idade ainda é tabu?“.

Logo no início, a apresentadora Isabella Faria me perguntou: “Queria começar com a máxima: ‘Velho é assexuado; quanto mais velho você fica, menos vontade você tem de fazer sexo’? De onde vem isso?”.

“Vem da realidade, Isa.

Não sou médica, sou antropóloga, e, por isso, vou falar sobre os resultados das pesquisas que realizo, desde 1988, com mais de 5.000 mulheres e homens. Em primeiro lugar, não existe ‘velhice’ no singular, assim como não existe ‘sexo’ no singular. Não dá para colocar todas as pessoas maduras na mesma caixinha de ‘assexuadas’ nem na de ‘coroas safadas’.

Existe uma enorme diversidade nos desejos e prazeres femininos. E nos masculinos também.” – respondi.

Ela lembrou que uma das minhas colunas de maior sucesso na Folha foi “O sexo das mulheres mais velhas” (28/5/2019).

Foi então que ela me perguntou: “Está faltando falar mais sobre sexo?”

“Ao contrário.

Nunca se falou tanto de sexo nos programas de TV, rádios, jornais, revistas e redes sociais. Entrevistei mulheres de mais de 60, 70 e até mesmo de 80 anos que, depois de viúvas ou divorciadas, entraram em sites de relacionamento e já transaram com homens bem mais jovens, outras que compraram vibradores para chegar ao orgasmo que nunca alcançaram com o marido. Mas também entrevistei mulheres de 40 e 50 anos que se aposentaram definitivamente do sexo. Para elas, preliminares não se resumem a cinco ou dez minutos antes de gozar.

O prazer feminino se conquista com intimidade, confiança, carinho, companheirismo, conversas, brincadeiras e risadas gostosas.” – respondi.

Isa então questionou: “Quais são os benefícios do sexo na velhice?”.

“Existem inúmeras pesquisas comprovando os benefícios da atividade sexual. No entanto, já entrevistei casais que têm uma vida sexual maravilhosa, mas que brigam o tempo todo, que gritam, que traem.

Será que, nesses casos, o sexo traz benefícios?” – respondi.

Falei de uma das protagonistas da revolução sexual no século passado: Leila Diniz. Ela, que completaria 79 anos no dia 25 de março, morreu tragicamente, aos 27 anos, em um desastre de avião, em 1972. Como o título da minha tese de doutorado é “Toda mulher é meio Leila Diniz“, muita gente me pergunta se a atriz ainda estaria fazendo sexo com tanta liberdade, intensidade e prazer.

Não sei dizer como seria a vida sexual de Leila Diniz com quase 80 anos, mas tenho a resposta de outra mulher libertária: Rita Lee, falecida no dia 08 de Maio de 2023. A roqueira mais famosa do Brasil declarou: “Sinto também um vetor da vida que transforma o desejo. Já transei para caramba e, agora, tenho mais tesão na alma. Um prazer que é despertado por um bom livro, meditação”.

Ela, que “trepou a vida inteira“, não tinha mais interesse em “fazer sexo e usar drogas” e preferia pintar, lavar louça, arrumar a cama e outras “tarefas fantásticas”. “E hoje estou aqui, velha e dona de casa… Velho não quer trepar.”

As mulheres mais velhas fazem parte da geração do “faça amor, não faça a guerra”, da pílula, da psicanálise, do feminismo, da contracultura, do divórcio, do amor livre, do movimento hippie etc. A geração de Leila Diniz e de Rita Lee lutou corajosamente para abrir os caminhos de libertação para as mulheres de todas as idades. Elas fizeram uma verdadeira revolução sexual: quebraram tabus e romperam com as prisões, preconceitos e estigmas que cerceavam os desejos e prazeres femininos.

Hoje, temos muito mais escolhas: podemos casar ou ficar solteiras, ter ou não ter filhos, fazer ou não fazer sexo. Que escolhas teve a minha mãe nos anos 1940 e 1950? Ela casou aos 24 anos, quando já era considerada velha demais para “arrumar um marido”. Teve quatro filhos, trabalhou muito para sustentar a família e não conseguiu estudar, como tanto desejava. Para não sofrer a mesma violência física, psicológica e verbal que a minha mãe sofreu, estudei muito e trabalhei incansavelmente para me tornar independente financeiramente, escolhi não ter filhos e, somente aos 57 anos, encontrei um grande amor. Como as mulheres mais velhas que eu entrevistei, afirmo: “nunca fui tão livre, nunca fui tão feliz, é o melhor momento de toda a minha vida, é a primeira vez que posso ser eu mesma. É uma verdadeira revolução”.

Aos 16 anos, aprendi com “O Segundo Sexo“, de Simone de Beauvoir, que nenhuma mulher nasce livre: torna-se livre, inclusive no amor e no sexo.

Muitas décadas depois, passei a cantar com Rita Lee: “Toda mulher quer ser amada, toda mulher quer ser feliz… Toda mulher é meio Leila Diniz”.

Mirian Goldenberg



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Mirian Goldenberg
Sobre

Mirian Goldenberg

Professora Titular do Departamento de Antropologia Cultural e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora em Antropologia Social pelo Programa de PósGraduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, colunista do jornal Folha de S Paulo, desde 2010 e autora de 30 livros.

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