Comportamento Histórias de Vida

Não tenho marido, mas sou feliz

Não tenho marido, mas sou feliz

Não tenho marido, mas sou feliz… ‘Divórcio grisalho’: Por que casais de mais idade estão se separando?

Recentemente, Isabel Allende, de 81 anos, contou que se separou aos 45 anos depois de 29 anos de casada. Poucos meses depois, conheceu seu segundo marido e ficou casada durante 28 anos. Com mais de 70 anos, ela se divorciou do segundo marido e as amigas lhe perguntaram como podia se separar com essa idade, depois de tudo o que tinha investido no casamento.

“Diziam que era preciso ter muita coragem para se separar depois dos 70. Acho que é preciso mais coragem para ficar numa relação que não funciona do que para tomar a decisão de estar sozinha… Quando me separei, sugeriram que entrasse em sites de paquera para encontrar um companheiro. O que teria colocado em meu perfil? Latina, com documentos em dia, baixinha, de 80 anos, avó… quem ia aparecer?”

Um ano e meio após o segundo divórcio, um advogado de Nova York, viúvo, que tinha escutado uma entrevista sua no rádio, lhe escreveu. Ele continuou escrevendo nos cinco meses seguintes.

“Tive uma viagem a trabalho para Nova York e decidi que queria conhecê-lo. Tivemos um encontro e, três dias depois, ele me pediu em casamento. Até anel ele tinha… Hoje, sinto que o amor é o mesmo de quando era jovem, mas com um sentido de urgência. Não temos tempo para briguinhas, ciúmes. Resolvemos as coisas na hora. Tudo no amor é mais imediato… Todos os dias, ele me diz o quanto é feliz. Ele diz que acorda todos os dias como uma criança que sabe que irá ao circo.”

A escritora chilena disse que, depois dos 50, “passamos a ser ignoradas, é como se desaparecêssemos. Mas, depois dos 50, podemos viver 30 ou 40 anos mais… Ninguém sabe como vai envelhecer ou morrer. Mas temos que viver intensamente todos os dias. Agora é dia a dia, tentar que cada dia seja perfeito”.

Isabel Allende ilustra um fenômeno que tem sido cada vez mais comum: o “divórcio grisalho”. A pesquisadora Susan Brown, da Bowling Green State University, mostrou que, de 1990 a 2010, a taxa de divórcio entre pessoas com mais de 50 anos nos Estados Unidos havia duplicado. Atualmente, mais de um terço das pessoas que estão se divorciando nos Estados Unidos têm mais de 50 anos. Ela chamou esse fenômeno de “revolução do divórcio grisalho“.

No Brasil, em 2021, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), 25,9% das pessoas que tiveram divórcio confirmado na primeira instância da Justiça ou via escritura tinham mais de 50 anos.

É mais comum que as mulheres peçam o divórcio nessa faixa etária. Muitas sentem que se dedicaram a vida toda ao marido, aos filhos, aos pais, à casa, ao trabalho. A chegada da menopausa e da aposentadoria, filhos que saíram de casa, a maior independência feminina, a possibilidade de ter novos projetos e relacionamentos na maturidade, a diminuição do preconceito e estigma associados ao divórcio, o desejo de ter mais liberdade e de morar sozinha, a vontade de estudar e de viajar com as amigas, a violência doméstica e a traição masculina foram alguns dos inúmeros motivos apontados pelas mulheres que tenho pesquisado para se divorciarem após décadas de casamento.

Uma fonoaudióloga, de 72 anos, me contou que não tinha coragem de se separar de um relacionamento tóxico:

“Durante mais de 40 anos, eu fui a típica mulher que repetia: ‘sou infeliz, mas tenho marido’. Tentava justificar a minha infelicidade me comparando com outras mulheres, até mesmo da família, que também aguentam casamentos tóxicos. Meu marido sempre gritou comigo, tinha explosões de raiva, me xingava de histérica, neurótica, burra, bruxa, gorda, velha, inútil e coisas bem piores. Apesar da minha profunda infelicidade, eu aguentava calada para manter a família unida, preocupada com o sofrimento dos meus filhos e netos”.

Ela só teve coragem de se separar quando descobriu a traição do marido.

“A gota d’água foi descobrir que ele sempre me traiu com prostitutas. Eu me senti um lixo, uma mendiga, implorando por migalhas de amor, carinho e respeito. Chega, não quero mais tanto abuso e violência. Chegou a hora de cuidar de mim, recuperar o tempo perdido. Tenho fome de liberdade. Agora eu digo com muito orgulho: ‘Não tenho marido, mas sou feliz’”.

Mirian Goldenberg


Leia também:

Mirian Goldenberg
Sobre

Mirian Goldenberg

Professora Titular do Departamento de Antropologia Cultural e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora em Antropologia Social pelo Programa de PósGraduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, colunista do jornal Folha de S Paulo, desde 2010 e autora de 30 livros.

1 Comentário

    Avatar
  • Muito triste descobrir depois de anos de abnegação e dedicação a falta de respeito do outro lado. Nós merecemos ser amadas e respeitadas, mas tudo começa pelo auto- respeito e amor próprio.

Deixe um Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *