Comportamento Histórias de Vida

Toda mulher é meio Rita Lee

Toda mulher é meio Rita Lee

Toda mulher é meio Rita Lee… De forma lúdica, ela revolucionou comportamentos e valores das mulheres.

“Após a revolução sexual das mulheres, será que é possível rotular e aprisionar as escolhas femininas? Por que tanta dificuldade para aceitar que, como disse Rita Lee, ‘velho não quer trepar’, ou melhor, que nem todos querem? Será uma nova revolução das mulheres ter a coragem de dizer ‘não’ —e dizer ‘sim’, se quiserem— para o sexo?”

Essa é apenas uma das inúmeras referências que faço a Rita Lee no meu livro mais recente, “A Arte de Gozar”. Nele mostro que Rita Lee influenciou decisivamente os discursos, comportamentos e valores das mulheres da minha geração. Ela se tornou um símbolo da revolução das mulheres nos anos 1960 e, na maturidade, acabou se transformando em um ícone da Revolução da Bela Velhice.

O título da minha tese de doutorado, defendida em 1994, é “Toda mulher é meio Leila Diniz”, refrão da música “Todas as Mulheres do Mundo”, de Rita Lee. Imaginem a minha alegria quando a própria Rita autorizou que o título do meu livro, publicado em 1995, fosse “Toda Mulher é Meio Leila Diniz”.

Escrevi muitas colunas na Folha sobre Rita Lee. Em “Velho não quer trepar” (30/9/2020), revelei que a roqueira mais famosa do Brasil descobriu novos prazeres na velhice. Ela, que “trepou a vida inteira”, passou a ter vontade de ler mais, aprender coisas novas, pintar, lavar louça, arrumar a cama e outras tarefas que considerava “fantásticas”. E ainda brincou: “E hoje estou aqui, velha e dona de casa”, já que não tinha mais interesse em “fazer sexo e usar drogas”.

Em uma das minhas colunas preferidas, “Tesão na alma” (20/10/2021), Rita Lee disse que:

“Aos 73 anos, por exemplo, tenho meus cabelos brancos. Já fui loira, já fui ruiva — que era um Sol na cabeça— e agora tenho a Lua comigo. Sinto também um vetor da vida que transforma o desejo. Já transei para caramba e, agora, tenho mais tesão na alma”.

Por tudo isso, fiquei muito emocionada ao ler o texto que João Lee, filho caçula de Rita, publicou no seu Instagram:

“Minha mãe, que amo mais que tudo nessa vida, virou uma estrela no céu. Que vida intensa e espetacular você teve. Admirada e amada por tantas pessoas. Tão à frente do seu tempo. Sempre conversamos sobre o quão terrivelmente importante é escolher bem seus heróis. São eles que moldam as nossas vidas, o nosso comportamento e quem somos… E você é, e sempre foi, a minha heroína. Sim, você é genial, talentosa, divertida, inteligente, linda, bem-sucedida, realizou e fez muuuuuitas coisas durante sua vida. Mas não é por isso que você é minha heroína. Você é minha heroína pela sua maneira de se comportar, dia após dia, mês após mês, ano após ano, com tanta dignidade e honestidade. A admiração que eu tenho por você é infinita. Sempre foi. Que honra e privilégio ser seu filho… Nunca conheci uma pessoa como você. Sua força, sua coragem, seu senso de justiça, sua genialidade, sua sensibilidade, seu bom humor e tantas coisas maravilhosas a mais… Você é foda. Você é, sim, a rainha dessa porra toda. O mundo perdeu uma das pessoas mais únicas e incríveis que já existiu. Eu perdi minha mãe. Mas você é eterna. Seu legado, sua história e sua arte viverão para sempre. Essa é a minha missão para a vida toda. Enquanto eu estiver vivo e cheio de graça você vai continuar fazendo um monte de gente feliz…”.

Sempre irreverente, Rita escreveu sobre a própria morte em sua autobiografia, publicada em 2016:

“Quando eu morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta. Algumas rádios tocarão minhas músicas sem cobrar jabá, colegas dirão que farei falta no mundo da música, quem sabe até deem meu nome para uma rua sem saída. Os fãs, esses sinceros, empunharão capas dos meus discos e entoarão ‘Ovelha Negra’, as TVs já devem ter na manga um resumo da minha trajetória para exibir no telejornal… Nas redes virtuais, alguns dirão: ‘Ué, pensei que a véia já tivesse morrido, kkk’.”

Ela contou que seu maior gol foi ter feito “um monte de gente feliz” e que seu epitáfio deveria ser: “Ela não foi um bom exemplo, mas era gente boa”.

Se pudesse, eu acrescentaria: “Aqui jaz a maior estrela do rock brasileiro, era gente boa e fez um monte de gente feliz. E ainda ensinou a todas as mulheres do mundo a ter tesão na alma. Afinal, toda mulher é meio Rita Lee”.

Mirian Goldenberg


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Mirian Goldenberg
Sobre

Mirian Goldenberg

Professora Titular do Departamento de Antropologia Cultural e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora em Antropologia Social pelo Programa de PósGraduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, colunista do jornal Folha de S Paulo, desde 2010 e autora de 30 livros.

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