Me deixem envelhecer com a minha cara!
Me deixem envelhecer com a minha cara!
A velhice pode ser uma ‘morte simbólica’, e, paradoxalmente, uma ‘libertação grisalha’. No dia 6 de agosto, a atriz Irene Ravache completou 80 anos.
“Oitenta anos é só um número, mas um número que tem uma marca. Seja como for, eu não mexi no meu rosto. Fui envelhecendo com ele. Tomei essa decisão porque posso me ver com essa idade. Eu aguento. E isso é transgressor.” – Irene Ravache
Irene quer envelhecer com a própria cara. Por isso, nunca fez qualquer tipo de procedimento. Ela tem curiosidade de ver como serão as marcas das suas rugas e como vai lidar com essas transformações inevitáveis.
Eu também nunca fiz qualquer tipo de procedimento, mas preciso confessar que estou sofrendo com as visíveis transformações provocadas pela idade: pálpebras caídas, manchas na pele, flacidez dos braços, bigode chinês, pescoço, mãos… Procuro como uma detetive os sinais e marcas da minha velhice.
Se sofro tanto, por que então não faço o que poderia fazer para não ficar velha?
Porque não tenho vontade de fazer nada.
Sou muito cobrada e criticada, especialmente por amigas que já fizeram muitos procedimentos. E, quando olho para os rostos e corpos delas, não acho que estão mais jovens, mais bonitas ou mais felizes. Elas continuam sofrendo com o envelhecimento, apesar do enorme investimento de tempo e dinheiro para parecer mais jovens.
Cuido da minha saúde, faço caminhadas na praia e exercícios na Academia da Terceira Idade em um parquinho perto de casa, faço anualmente meus exames, cuido dos meus amigos e amigas, amo meu marido e nossa casa e, principalmente, adoro ler, escrever, estudar e escrever.
Sofro com meu próprio envelhecimento?
Muito! Vou sofrer menos se fizer todos os procedimentos que poderia fazer? Tenho certeza que não!
É interessante refletir sobre a ambiguidade do envelhecimento para as mulheres que venho pesquisando há mais de 30 anos. Elas dizem que envelhecer é uma merda, mas é também uma libertação. Não é um paradoxo interessante?
Por que é uma merda?
Elas destacam a invisibilidade social, a decadência do corpo, as doenças físicas e mentais e a proximidade da morte. É uma merda porque é o fim da vida, com todos os inevitáveis sofrimentos e dores de perder as pessoas que nós mais amamos.
Quando perguntei às mulheres, o que elas mais invejam nos homens, elas responderam, em primeiro lugar: liberdade. Em seguida, “fazer xixi em pé”, liberdade sexual, liberdade com o corpo e liberdade para envelhecer em paz. Quando perguntei o que elas mais invejam nas mulheres, responderam: o corpo, a beleza, a juventude e a sensualidade.
Em uma cultura em que o corpo é um verdadeiro capital, envelhecer pode ser uma espécie de “morte simbólica”. O “corpo capital” não é um corpo qualquer: é um corpo jovem, magro e sensual. Muitas mulheres de mais de 50 anos me disseram: “Não é nem que eu fiquei velha, eu fiquei invisível, transparente. Eu não existo mais como mulher”.
Por que envelhecer pode ser uma libertação? Porque, como dizem as mulheres de mais de 60 anos que entrevistei, não temos mais tempo a perder com a opinião de vampiros emocionais. O tempo é o nosso bem mais precioso, e queremos saborear cada segundo da vida que nos resta.
Por isso, aprendemos a dizer não, a não nos preocupar tanto com a opinião dos outros, a rir mais de nós mesmas e a ligar o botão do foda-se. É a libertação grisalha! Elas afirmam categoricamente: “É a primeira vez na vida que eu posso ser eu mesma. É o melhor momento de toda a minha vida, nunca fui tão livre, nunca fui tão feliz. É uma verdadeira revolução”.
Como dizia Rita Lee:
“Envelhecer é uma merda, mas estou curtindo o meu lado sarcástico… Envelhecer para mim foi uma surpresa, porque eu nunca fui velha na vida… Gosto das minhas rugas, são cicatrizes da vida, eu respeito as minhas pelancas… Nada contra quem apela a botoxes e plásticas, mas eu ‘garrei’ carinho nas minhas rugas, pelancas e cabelos brancos, essa é a minha old new face”.
Aos 73 anos, ela afirmou que “trepou a vida inteira”, mas na velhice passou a ter “tesão na alma”.
Ainda sofro com as rugas, pelancas, marcas e sinais do meu envelhecimento, mas estou buscando, como Rita Lee, ter mais “tesão na alma”.
Em vez de fazer todos os procedimentos que a dermatologista recomendou, decidi investir meu tempo nos meus propósitos de vida. Para combater de uma forma lúdica e libertária os meus próprios preconceitos, medos e vergonhas de envelhecer, escrevi o Manifesto das Velhas Sem Vergonhas.
O que eu quero ser quando envelhecer? Uma Velha Sem Vergonha. E você?
Mirian Goldenberg