Aurora Boreal

Aurora Boreal
“… Todo mundo falou
Que o nosso amor
Era frágil demais
Que não era capaz
… Mas não ouvi ninguém
Que não quer nosso bem
Eu me dediquei
Por nós dois lutei”.
Aurora, quando entrou no meu consultório, me causou certa surpresa, pois ela era bem mais velha do que as mulheres que habitualmente atendo. Por uns instantes imaginei questões como sexo na terceira idade e perda de libido. Mas, para minha surpresa, essa consulta seria diferente de muitas outras.
Ela me contou que era viúva havia 15 anos, e que tinha tido um casamento feliz. Teve três filhos nesse casamento – o mais novo tinha 24 anos e era o temporão, o xodó da família.
Um dia, esse filho foi para Portugal fazer um curso que duraria seis meses, a pedido da empresa que trabalhava.
Durante esse tempo, meu filho ficaria na casa de uma determinada família. Quando voltou, me contou que o filho daquelas pessoas precisaria passar por um treinamento da empresa aqui no Brasil, e me perguntou se eu poderia acolhê-lo. Concordei em receber o Pietro, desde que fosse algo temporário. O combinado seria que ele passasse uma temporada de seis meses aqui, e meu filho ficaria mais seis meses em Portugal.
Pietro teria liberdade para cozinhar, caso quisesse, pois eu não tinha mais empregada, então ele deveria se virar. Admito que só aceitei pois meu filho insistiu muito, mas eu não estava acostumada a ficar com pessoas em casa. Já estava acostumada com a solidão.
Enfim, fui buscar Pietro no aeroporto, com muita má vontade. Quando eu estava lá, vi um rapaz lindo, supersimpático, com uma mala pequena, sorrindo em minha direção. Confesso que imaginava Pietro diferente.
No trajeto, ele me contou que tinha ido morar em Portugal quando sua avó adoeceu, mas que, na verdade, era brasileiro. Sentia muita falta do Brasil, mas não tinha coragem de voltar a morar aqui e deixar sua mãe, agora idosa, em outro país. Interessante que eu e a mãe dele tínhamos a mesma idade.

Mostrei a casa para ele e o quarto, disse que ele podia ficar à vontade. Expliquei que não tinha empregada, mas tinha uma faxineira que ia, habitualmente, duas vezes por semana.
Ele respondeu que eu não precisaria me preocupar, pois ele adorava cozinhar. Achei isso fantástico, pois nem miojo meu filho cozinhava.
Ao longo da semana encontrava pouco com ele, mas achava interessante que seu quarto estava sempre muito organizado e a pia sem louça.
Um dia, fiquei em casa, pois estava gripada. Quando Pietro estava saindo para o trabalho, me perguntou se estava tudo bem. Respondi que estava meio adoentada, mas que não era nada grave.
Quando estava se aproximando da hora do almoço, levantei da cama meio sem ânimo e força, e fui até a cozinha para, pelo menos, comer um sanduíche. Qual foi minha surpresa ao encontrar uma mesa arrumada, e Pietro cozinhando.
Ele me disse que tinha pedido ao chefe para ficar trabalhando de home office naquela semana, pois havia ficado preocupado comigo e que resolveu fazer uma sopa, que era receita secreta da família. Fiquei constrangida e emocionada.
Almoçamos juntos, conversamos sobre tudo. Ele perguntou por que eu não havia me casado novamente e eu questionei: ‘Na minha idade?’.
Ele sorriu e respondeu: ‘Acho você superjovem!’.
Sinceramente, achei que ele estivesse querendo ser apenas simpático.
À noite ficamos assistindo série, enquanto ele me mimava e cuidava da minha gripe.
No dia seguinte, quando levantei, encontrei Pietro novamente na cozinha. Expliquei a ele que estava melhor e que ele poderia ir trabalhar tranquilamente. Ele disse que não iria e que cuidaria de mim naquela semana. Fazia tempo que eu não me divertia tanto ou era mimada, cuidada… Ele cozinhava, assistíamos TV juntos, às vezes ele só estava ali no computador trabalhando e eu lendo.
No último dia de home office do Pietro eu disse que faria um jantar especial em agradecimento aos cuidados. Fiz um ótimo jantar, preparei a mesa e me arrumei.
Jantamos e, num determinado momento, enquanto bebíamos, ele se aproximou e disse que não se divertia assim fazia tempo, que eu era especial, diferente de todas as outras mulheres que ele já havia conhecido. Que as mulheres mais jovens o deixavam entediado.
Sinceramente, achei que estivéssemos altinhos por conta do vinho.
Eu sorri e disse: ‘Para de bobeira!’.
Nesse momento, Pietro me beijou. Fazia tempos que eu não era beijada. Sabe quando você é uma fogueira praticamente apagada e jogam álcool?! Foi assim comigo. Ardi e queimei por dentro, senti meu corpo em brasa. Apesar de tudo que estava sentindo, o afastei. Nos dias seguintes não nos cruzamos. Fiquei me sentindo meio ansiosa e constrangida.
Um dia, saí com duas amigas e contei o que havia acontecido. Enquanto uma super se empolgou, a outra julgou, disse que ele era apenas um pouco mais velho que o meu filho.
Fui para casa me sentindo estranha. Quando cheguei, Pietro estava saindo. Eu sorri e desejei boa noite. Achei que ele tivesse saído, mas, de repente, ouvi um: ‘Aurora, gostaria de falar com você’.
Ele começou a se desculpar, disse que estava envergonhado, que foi super bem recebido na minha casa, e que se eu não me sentisse mais à vontade ele iria para um hotel.
Eu falei que estava tudo bem, que tinha entendido que a culpa havia sido do vinho. Ele sorriu e respondeu: ‘Só se foi com você. Eu teria te beijado faz tempo!’.
Ali, nos beijamos novamente e fomos para o quarto. Em diversos momentos travei. Não ficava nua na frente de um homem havia 15 anos, não era tocada havia 15 anos, mas ele me conduziu, me relaxou e foi tudo maravilhoso.
Os dias passaram assim. Transávamos na volta do trabalho, assistíamos TV, cozinhávamos juntos.
Um dia, resolvemos sair para jantar fora e, na hora de pedirmos, o garçom falou: ‘Vou buscar um cardápio para sua mãe’. Fiquei superconstrangida. Jantei em silêncio e assim fui até em casa. Naquela noite, inventei uma dor de cabeça para não dormirmos juntos e nos outros dias inventava coisas diferentes.
Numa noite resolvi chegar bem tarde para não o encontrar e ele estava dormindo no sofá, com a TV ligada. Toquei nele para acordá-lo. Ele abriu os olhos com um sorriso e estendeu os braços. Me aconcheguei ali.
Ele perguntou se estava acontecendo algo, eu comecei a chorar e disse a verdade. Que por mais que estivesse empolgada, não achava certo, afinal, eu podia ser a mãe dele. Eu não iria aguentar os olhares da sociedade me julgando.
Quando olhei para Pierro ele começou a rir e disse: ‘Quanta bobagem! Quanto preconceito! Sempre desejamos encontrar alguém que nos motive emocionalmente ou sexualmente, mas quando finalmente encontramos, colocamos vários empecilhos!’.
Pode parecer bobagem, mas desde aquele dia só quis aproveitar o momento. Na verdade, quis aproveitar o momento achando que seriam só uns momentos, mas estamos juntos desde então. Lá se vai um ano vivendo a ponte aérea.

A grande questão é que Pietro pediu transferência para o Brasil e, mais do que nunca, tenho sentido o julgamento da sociedade. Meu filho não sabe, poucos amigos sabem e os que sabem julgam. Toda vez que percebo os olhares nos julgando eu solto a mão de Pietro, eu deixo o Pietro, mas não quero viver sem ele!”
Olhei para Aurora e perguntei: “Você sabe o que é a Aurora Boreal?”.
Aurora fez que não com a cabeça.
É um fenômeno luminoso que ocorre somente algumas vezes no ano, em alguns poucos lugares, e que precisa de condições específicas para que ele seja visualizado.
Interessante que, se pensarmos em relacionamentos, é mais ou menos assim. Esperamos condições ideais, mas, às vezes, esse ideal é diferente do que um dia idealizamos. Mas nem por isso devemos deixar de aproveitar.
Aurora sorriu. Um sorriso de leveza e gratidão.
Outro dia, quando cheguei no consultório, havia um convite em cima da mesa: “Venha comemorar conosco nossa união”. Era de Pietro e Aurora.
“Ainda bem que na terra existem eventos raros que podem ser vividos e aproveitados!”, pensei.
Dra. Ana Flávia

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