JULIA
Julia
Pela primeira vez ela estava só naquela casa. A sala enorme ecoava os passos de quem já tinha andado por todos os cantos inúmeras vezes em busca de respostas. O quarto sem as roupas dele espalhadas pelo chão parecia ainda maior. O guarda-roupa antes tão disputado de repente perdeu parte da utilidade. Aquele travesseiro macio ainda tinha o seu cheiro.
Como ela podia sentir tanta saudade de alguém que teve coragem de simplesmente pegar suas coisas e sair pela porta depois de tantos anos, tantos beijos, tantas pernas entrelaçadas?
Por que ela simplesmente não conseguia apertar um botão F qualquer e desligar aquele sentimento de não ter feito o suficiente, aquela sensação de fracasso, aquela dor de ter sido trocada?
Por que ela insistia em pensar que se tivesse feitos mais botox, colocado um silicone maior ou esticado a cara até não conseguir mais sorrir ele teria ficado?
Por que ela sentia a culpa de estar envelhecendo? Afinal, ele também estava.
Será que ver o rosto “derretendo”, a pele ficando flácida e os joelhos doendo já não era humilhação suficiente?
Esse era o pensamento da Julia cada vez que se olhava no espelho. Não porque ela queria se olhar, mas porque o espelho estava ali, estrategicamente posicionado para não deixar que ela passasse sem notá-lo. Talvez como um castigo, para lembrá-la que o tempo é implacável.
E assim ela alimentava historias cruéis criadas pela sua mente inquieta e pelo seu coração partido, como quem alimenta um gatinho indefeso.
A verdade que ela aceitava era a que a machucava mais, a que a fazia sofrer e a se achar um verdadeiro lixo, um ser desprezível não merecedor de amor ou respeito.
Parece exagero, mas era isso o que ela sentia. Talvez fruto de algum trauma de infância. É como dizem: a culpa é sempre da infância… dos pais… dos astros… das vidas passadas. Isso ainda não vamos saber.
Ela apenas se via assim.
Mas será que ela não percebia que não era esse o problema? Que absolutamente nada que ela fizesse teria mudado o rumo desse casamento? Que a questão não era ela e sim ele? Que responsabilidade afetiva, respeito e consideração são coisas que não compramos na padaria, mas que tem a ver com valores, educação, ética?
Ok, não nos cabe julgar da onde vem esse vazio. Aliás, não nos cabe julgar nada. O que nos cabe é torcer para que Julia busque ajuda, uma terapia, um apoio, mas não outro relacionamento sério. Pelo menos não enquanto essa ferida não estiver cicatrizada o suficiente para que ela veja que ela não é a vítima e nem a algoz, apenas a protagonista da sua própria vida.
Enquanto isso, Julia, que tal pegar ajeitar esse guarda-roupa do jeito que sempre quis, aproveitar o segundo travesseiro para dormir mais confortável, deixar tudo organizado como tanto gosta?
Ou então, tome aquele banho, vista sua lingerie mais sexy e chame aquele seu amigo que sempre quis te convidar para um vinho apenas para um papo descontraído ou quem sabe uma noite de sexo quente? Afinal, ter um P.A. para chamar de seu é um direito de toda mulher livre.
E daqui a pouco a casa ficará pequena de novo.
Patricia Ceola
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