Minhas cicatrizes, minhas histórias

Minhas cicatrizes, minhas histórias
“Veja
Não diga que a canção está perdida
Tenha fé em Deus, tenha fé na vida
Tente outra vez
Beba (beba)
Pois a água viva ainda tá na fonte (tente outra vez)
Você tem dois pés para cruzar a ponte
Nada acabou, não, não, não, oh”.
Quantas lutas travamos ao longo de nossas vidas antes de conseguirmos a tão sonhada vitória? O que, ao longo do caminho, nos faz querer prosseguir ao invés de desistir?
Foi assim que conheci Luna, mulher de 52 anos, sorriso tímido e olhar assustado.
Interessante que, enquanto ela falava, tocava ao fundo uma música conhecida que dizia: “Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais…”.
Seria coincidência ou uma ironia do destino? Sinceramente, tanto faz. O que importa é que essa música, em muito, representava aquela Luna que estava ali em minha frente.

Luna, há 2 anos e meio, enquanto estava terminando os preparativos para o seu aniversário de 50 anos, que seria um evento simples, teve o diagnóstico de um câncer de mama. Segundo ela, o susto foi tão grande que sua primeira reação foi reorganizar uma festa maior ainda.
Antes, um evento que seria para 30 pessoas se transformou em um outro para 200. Nele haviam colegas de escola, de faculdade, da ginástica, do trabalho e seus familiares; que, por sinal, só souberam do diagnóstico na hora do discurso depois dos parabéns.
Aliás, foi essa a forma que Luna escolheu para contar para todo mundo seu diagnóstico: escreveu um discurso de agradecimento e despedida. A explicação que ela deu foi que ela tinha “uma urgência” em resolver “as coisas”.
E é assim que dois anos e pouco depois tem vivido, com uma mistura de urgência e preguiça.
Urgência, pois queria viver tudo o que ainda não havia vivido, mas também tinha uma preguiça enorme, pois sabia que havia uma finitude na vida.
A grande questão é que, no meio de tantas urgências e preguiça, sua sexualidade estava “bagunçada”.
Luna me confidenciou que agora só mantinha relações com a luz do quarto apagada e também não havia nunca mais tirado a blusa na hora de ter relações, pois se sentia mutilada, mesmo que nela só restavam cicatrizes e não mais a doença.
Estranhamente, toda vez que via aquelas cicatrizes voltavam lembranças do momento que passou, e aquilo a deixava eufórica ou deprimida. Chegou a pensar em fazer uma tatuagem para não ter que olhar para aquelas cicatrizes, só não decidiu qual fazer.
Disse que, diariamente, se sente confrontada pela brevidade da vida e tem se sentido exausta por tantos sentimentos misturados.
Ahhh, Luna… ou melhor: ahhh, Luna, Letícia, Victoria, Fabiana, Carla, Vanessa, Gisela, Maria… travar uma batalha contra uma doença realmente é algo desgastante. Não temos como deixar de imaginar quem sairá vitorioso.
Posso te adiantar que quem sai vitorioso é aquele que redescobre “uma maneira gentil de viver”. E quando digo “gentil” é para dizer que você pode e deve acolher seu sofrimento, e ser empático com você mesma, mas nunca esqueça que o seu objetivo é batalhar contra o inimigo e alcançar a vitória!
Quanto ao tempo, quem sabe quanto tempo nos resta? O correto da vida seria sabermos vivê-la, apreciá-la e deixarmos um lindo legado para aqueles que ficam.

Minha sugestão para você é que escolha a fênix para sua tatuagem. Ela, em muito, representa a sua história, afinal, não deixa de ser uma história de renascimento.
Normalmente, termino minhas histórias desejando sorte às minhas pacientes, mas essa quero terminar diferente, e usar outras palavrinhas com “s”: a você que está passando pelo processo ou que já passou, desejo Saúde e Sabedoria!
Dra. Ana Flávia

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