Muitas batalhas são travadas no silêncio
Muitas batalhas são travadas no silêncio.
“Você me vira a cabeça… Me tira do sério… Destrói os planos os planos que um dia eu fiz para mim… Me faz pensar porque a vida é sempre assim…”
Alcione
Essa música da Alcione me fez pensar em Jaci. Quando ela me procurou estava completamente destruída por dentro e por fora.
Não era só sua autoestima que estava abalada, mas também sua alma, seus sonhos, suas verdades.
Tudo aquilo que ela sempre acreditou ser um sonho na vida de uma mulher, vinha se tornando em sua vida um completo pesadelo. E apesar de ter plena consciência disso tudo não tinha forças para mudar ou lutar.
Jaci chegava no consultório me contando que havia conhecido Rafael muito jovem, e que ele havia sido seu primeiro relacionamento sério, seu amor verdadeiro. Com ele tinha feito vários planos de se formarem, estudarem para concurso público, terem filhos apenas depois da compra da casa própria e quando estivessem estáveis financeiramente…
Entretanto nada ocorreu exatamente como planejado.
Quando estava terminando a faculdade engravidou por descuido seu achava, mas também Rafael nunca quis usar preservativo pois alegava que” camisinhas eram para ser usadas só com mulheres rodadas”, e num período que vinha se preparando para um concurso acabou se desligando e acabou esquecendo da pílula anticoncepcional e engravidou.
Foi uma fase bem difícil pois ainda tinha muitos sonhos a serem vividos e não se sentia preparada para a maternidade, mas Rafael disse que eles se sairiam bem que era só ela parar de estudar que ela conseguiria cuidar da casa e da família e que um dia voltaria para os sonhos de estudar, trabalhar…um dia…, mas na verdade esse dia nunca aconteceu…
Ao longo da gestação o comportamento de Rafael piorou, volta e meia o via trocando mensagens e algumas vezes até conversas com mulheres. Brigavam, ele prometia mudar, mas sempre eram só promessas… em questão de dias tudo voltava a ser como antes… ele sempre era agressivo verbalmente dizendo como ela estava feia e mal cuidada, ele ausente chegando cada dia em casa mais tarde…
Trocavam poucas palavras poucos carinhos, e quando ele a procurava para transar nunca era pensando nela era apenas nele. Aliás quando ela pensava em fazer alguma investida que fosse para se aproximar ou tentar ter algum contato sexual ele a chamava de louca e falava para ela “se enxergar”.
Obviamente já tinha pensado em se separar, mas não tinha apoio da família e nem dos amigos, afinal já havia parado de estudar, não tinha um trabalho …. como travar essa batalha.
O estranho é que achava que Rafael já tinha ultrapassado vários limites. Até que um dia após pegar uma mensagem no celular dele e confrontá-lo começaram a discutir e ele na frente da filha do casal, deu um tapa em sua cara…
Enquanto estava ali no chão chorando, vários momentos ´passaram por sua cabeça desde das sucessivas traições, desde que parou de estudar para cuidar da casa e da família, das humilhações no sexo, tudo fazia parte de um passado e de um presente, mas não queria que fizessem parte do seu futuro… Que mãe ou mulher posso ser me sujeitando a tão pouco?”, questionava ela.
Como ajudar essas mulheres, essas pessoas que muito mais do que apoio financeiro precisam de apoio emocional, e peguei-me pensando enquanto ela falava.
Muitas vezes, ou na maioria das vezes músicas me fazem pensar nos pacientes, mas interessante que dessa vez o que me fez pensar em Jaci foi a história da Vitória Régia.
Vou resumi-la agora para vocês:
“Diz a Lenda que a lua era um Deus e a noite quando surgia escolhia a jovem mais bonita da aldeia para ir morar com ele…Isso virou uma obsessão para índia Ceci e apesar de alertada por todos da aldeia que as índias não voltavam mais, ela queria ser a escolhida…
Uma noite quando viu o reflexo da lua no rio decidiu ir até lá e mergulhou e acabou se afogando….”
Eu gosto muito dessa história pois ela fala sobre falsas promessas e sobre limites. Será que tudo vale a pena quando existe amor?
Realmente sonhos devem ser nossas motivações diárias e devemos prossegui-los, mas não devemos deixar nossos limites serem ultrapassados…jamais!
Acolhi Jaci da melhor forma que pude, não só psicologicamente, mas também emocionalmente… muitas vezes só precisamos de um abraço, um lugar confortável e seguro para chorar… e ouvir que tudo vai ficar bem e qualquer coisa estamos ali.
Dra Ana Dias