Quem cuida de quem cuida?
Quem cuida de quem cuida?
Quem cuida de quem cuida? A invisibilidade da violência física, verbal e psicológica dentro das nossas casas e famílias.
“Mirian, o que você achou do tema da redação do Enem 2023: ‘Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil’? É exatamente o que você pesquisa há tantos anos: a ‘geração sanduíche’ que cuida dos pais idosos, dos filhos e muitas vezes dos netos; a invisibilidade feminina e a desvalorização do trabalho de cuidado; o abuso e a violência física, verbal e psicológica que existe dentro das nossas casas e famílias. Como você se sente tendo tanto impacto na vida das pessoas?”
Quando terminei a minha palestra sobre “Quem cuida de quem cuida?”, essas foram as primeiras perguntas de uma jovem leitora da Folha.
Respondi que eu não me sinto tendo impacto, e que, na verdade, eu me sinto como uma formiguinha com medo de ser esmagada. Não foram poucas as vezes que escutei: “Chega de falar de mulheres, de velhos, de invisibilidade, de cuidado, de abuso e violência doméstica, de ‘geração sanduíche’. Que assunto chato. Muda de assunto. Escreve sobre coisas mais interessantes”.
Eu me sinto um fracasso quando alguém diz que as famílias e as pessoas mais velhas que eu pesquiso há mais de 30 anos são só uma minoria sem importância. Basta uma única crítica destrutiva para eu ficar arrasada e acreditar que tudo o que eu pesquiso e escrevo não vale absolutamente nada, que o propósito da minha vida não tem o menor significado.
Eu gostaria que minhas pesquisas tivessem um impacto muito maior na vida de pessoas que se sentem tão descartáveis, inúteis e invisíveis; que pudessem ajudar a transformar essa cruel realidade e que os mais velhos fossem mais respeitados em sua autonomia, mais escutados, mais valorizados e mais cuidados.
Eu sofro de ‘”angústia de relevância”. Não economizo uma só gota da minha paixão em cada coluna que escrevo, em cada aula e em cada palestra, mas me sinto angustiada porque acho que o que eu faço é pouco, muito pouco…
Foi então que eu me lembrei da definição de coragem que a pesquisadora Brené Brown fez no seu TED Talk “O poder da vulnerabilidade”, de 2010. Coragem vem da palavra latina “cor”, que significa “coração”: é contar a história de quem você é com todo o seu coração, a coragem de ser imperfeita e vulnerável.
Em “O Chamado à Coragem”, um especial da Netflix de 2019, Brené Brown citou um trecho do discurso “Cidadania em uma República” (ou “O Homem na Arena”), proferido por Theodore Roosevelt, na Sorbonne, em 23 de abril de 1910.
“Não é o crítico que importa; nem aquele que aponta onde foi que o homem tropeçou ou como o autor das façanhas poderia ter feito melhor. O crédito pertence ao homem que está por inteiro na arena da vida, cujo rosto está manchado de poeira, suor e sangue; que luta bravamente; que erra, que decepciona, porque não há esforço sem erros e decepções; mas que, na verdade, se empenha em seus feitos; que conhece o entusiasmo, as grandes paixões; que se entrega a uma causa digna; que, na melhor das hipóteses, conhece no final o triunfo da grande conquista e que, na pior, se fracassar, ao menos fracassa ousando grandemente.”
Para Brené Brown, é preciso ter coragem para escolher estar por inteiro na arena da vida apesar do risco de fracassar.
“Se você escolher uma vida na arena, você vai sofrer. Vai fracassar, vai perder, vai aprender o significado do sofrimento. Se você não está na arena, fracassando vez ou outra, não quero saber o que você pensa do meu trabalho. E ponto final. As arquibancadas estão lotadas de pessoas que jamais vão pisar na arena. Elas jamais vão se arriscar, mas vão trabalhar o tempo todo para nos criticar, nos julgar e dizer coisas odientas sobre nós. Temos que aprender a não ligar para tais críticas, muito menos ficar remoendo ou acreditando nelas. Não acredite nelas, não se importe. Não precisa sequer rebater, passe por cima e siga adiante. Você não pode levar em consideração críticas de pessoas que não estão sendo corajosas nas próprias vidas.”
Nos momentos em que eu me sinto um fracasso, o que me salva é o conselho dos meus melhores amigos, Guedes e Thais, de 98 anos:
“Tem que ter coragem, Mirian, coragem. Você vai sim!”.
E eu vou… Ponto final!
Mirian Goldenberg
5 Comentários
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[…] “Quem cuida de quem cuida? A invisibilidade da violência física, verbal e psicológica dentro das nossas casas e famílias” foi o título da minha coluna da semana passada. Gostaria de responder todos os comentários dos meus leitores e leitoras, mas o espaço não é suficiente. No entanto, não posso deixar de destacar a mensagem que recebi de uma médica, de 65 anos, que se apresentou como uma “típica representante da geração sanduíche“. […]
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